Da Redação
Os resultados preliminares do Censo 2022, divulgados recentemente pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), revelam uma mudança significativa no panorama religioso brasileiro, com implicações também para Mato Grosso. Pela primeira vez desde 1960, o crescimento da parcela de brasileiros que se declaram evangélicos perdeu força. Em 2022, 26,9% dos brasileiros, ou 47,4 milhões de pessoas, se declaravam evangélicos, um avanço de 5,2 pontos percentuais (p.p.) em relação a 2010. Contudo, essa alta é inferior à registrada entre 2000 e 2010, que foi de 6,5 p.p., indicando uma desaceleração nessa tendência de crescimento após 62 anos.
Em contrapartida, a Igreja Católica continua sua trajetória de perda de fiéis, embora em um ritmo um pouco menos intenso que no período anterior. A parcela de católicos recuou de 65% em 2010 para 56,7% em 2022, somando 100,2 milhões de pessoas. Essa mudança aponta para uma maior diversidade religiosa no país. Um dos destaques dessa diversidade é o expressivo crescimento dos adeptos de umbanda e candomblé, que mais do que triplicaram entre 2010 e 2022, passando de 0,3% para 1% da população, ou seja, de 525,6 mil para 1,8 milhão de fiéis. Maria Goreth Santos, analista responsável pelo tema de religiões no Censo 2022 do IBGE, atribui esse aumento a um "movimento nos últimos anos contra a intolerância religiosa, com essas pessoas se colocando [publicamente] como umbandistas e candomblecistas".
O Censo 2022 também registrou um aumento no número de brasileiros que se declaram sem religião, passando de 7,9% para 9,3% da população, somando 16,4 milhões de pessoas. Esse grupo inclui agnósticos e ateus, mas também indivíduos que, apesar de terem fé, não seguem nenhuma religião institucionalizada. Silvia Fernandes, cientista social e professora da UFRRJ, explicou em 2022 que essa parcela "tem a ver com uma desinstitucionalização, o que quer dizer que o sujeito está afastado das instituições religiosas, mas ele pode ter uma visão de mundo e até mesmo práticas pessoais informadas por crenças religiosas." No contexto de Mato Grosso, onde a presença evangélica é forte, com o Centro-Oeste registrando 31,4% de evangélicos, essas tendências nacionais podem se manifestar de forma peculiar, com jovens buscando novas formas de expressão da fé ou se afastando das instituições tradicionais.
Apesar da perda de ímpeto no crescimento evangélico, a religião ainda se mantém como a segunda maior força religiosa no Brasil. No entanto, especialistas como Silvia Fernandes, da UFRRJ, apontam que essa desaceleração pode ser explicada por fatores como a perda do caráter de novidade das igrejas pentecostais e neopentecostais, a diversificação da oferta religiosa entre elas e, por fim, a decepção de alguns fiéis com promessas não cumpridas ou a rigidez das normas morais. Esse último ponto, de fiéis que se tornam "desigrejados" mas não deixam o universo evangélico, pode estar contribuindo para o aumento do grupo "sem religião" ou "outras religiosidades" no Censo.
Em Mato Grosso e em todo o Centro-Oeste, a presença evangélica é mais acentuada em comparação com outras regiões. No entanto, os dados do Censo 2022 indicam que a paisagem religiosa é cada vez mais fluida e diversificada. A maior valorização da negritude, por exemplo, é apontada como um dos fatores para o crescimento das religiões de matriz africana. Regina Novaes, pesquisadora do Iser, ressaltou que "Junto à questão racial, vem a questão da ancestralidade. Então há muitos jovens que deixam de ser católicos, protestantes, evangélicos e se ligam a um terreiro, a uma mãe de santo ou pai de santo". Esses movimentos refletem uma sociedade que busca uma religiosidade mais alinhada com suas identidades e valores, e Mato Grosso, como parte desse mosaico brasileiro, certamente vivencia essas transformações em seu próprio ritmo.