A crescente prática da contratação de técnicos de enfermagem por meio de cooperativas em unidades públicas de saúde de Mato Grosso tem gerado forte preocupação entre entidades fiscalizadoras da categoria. O Conselho Regional de Enfermagem de Mato Grosso (Coren-MT) aponta que, embora legal em determinadas situações, o modelo tem sido distorcido e utilizado como substituto da contratação direta ou de concursos públicos, promovendo a precarização das condições de trabalho e afetando diretamente a segurança nos atendimentos hospitalares
De acordo com a presidente do Coren-MT, Bruna Santiago, a utilização recorrente desse tipo de contratação desvaloriza a profissão e compromete a qualidade do atendimento à população. “O que deveria ser uma solução temporária para cobrir emergências virou regra. Estamos diante de vínculos frágeis, sem direitos básicos, o que impacta tanto os profissionais quanto os pacientes”, afirma.
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Entre os principais problemas apontados pelo Conselho estão a falta de garantias trabalhistas, como férias, 13º salário, plano de carreira e FGTS, além da instabilidade contratual. Muitos profissionais, principalmente no interior do estado, aceitam essas condições por ausência de alternativas no mercado de trabalho, sendo submetidos a jornadas exaustivas, ausência de supervisão e até acúmulo indevido de funções.
Um dos exemplos mais preocupantes, segundo o Coren-MT, envolve a APP Serviços Médicos Ltda, prestadora de serviços à Santa Casa de Cuiabá. Denúncias em apuração indicam que técnicos de enfermagem da UTI neonatal estariam sendo contratados via a cooperativa Multihealth, de Goiás, sem o devido treinamento para atuar em setores de alta complexidade. “A atuação sem capacitação representa um risco assistencial real e pode configurar desvio de função”, alerta Bruna.
A empresa afirmou em nota que segue as regras previstas no edital de licitação e que cumpre o contrato com o Estado. Também confirmou o afastamento de uma técnica após uma falha no uso de medicação, informando que a paciente segue em recuperação.
A fiscalização do Coren-MT é realizada independentemente do tipo de vínculo empregatício. As equipes do Conselho fazem vistorias presenciais, analisam escalas, dimensionamento e registros de atendimento. Irregularidades são notificadas e, em casos mais graves, relatórios são encaminhados ao Ministério Público do Trabalho (MPT) e ao Ministério do Trabalho e Emprego (MTE).
O auditor fiscal do trabalho Valdiney de Arruda reforça que, na prática, muitas cooperativas atuam como fornecedoras de mão de obra terceirizada, violando a Lei nº 12.690/2012, que estabelece regras para o cooperativismo. “Se há subordinação, jornada fixa e ausência de autonomia, pode haver configuração de fraude trabalhista”, pontua. Em Goiás, inclusive, a Justiça já proibiu esse tipo de contratação no setor da saúde após constatar irregularidades.
Diante desse cenário, o Coren-MT orienta os profissionais da enfermagem a ficarem atentos aos contratos e denunciarem qualquer situação abusiva. O Conselho garante sigilo absoluto nas denúncias e reforça que os profissionais não estão sozinhos. “A enfermagem não pode continuar sendo tratada como solução improvisada. Estamos falando de vidas, de dignidade profissional e da saúde pública como um todo”, conclui Bruna Santiago.