Polícia Federal (PF) solicitou ao Supremo Tribunal Federal (STF) a transferência de um inquérito atualmente sob responsabilidade do Superior Tribunal de Justiça (STJ).
O pedido foi feito com base na existência de "riscos concretos" de vazamento de informações, o que, segundo a PF, pode comprometer o andamento das investigações.
No documento, que permanece em sigilo e foi adquirido pela reportagem, a PF destacou a chance de que informações sobre um caso que está examinando o vazamento de operações policiais dentro do STJ sejam divulgadas. Este inquérito não está investigando diretamente os ministros da corte.
Na solicitação de abertura de investigação encaminhada ao ministro Cristiano Zanin, a PF afirmou que, diante desse risco, "não há alternativa senão acionar o Supremo Tribunal Federal para assumir a supervisão do atual inquérito policial".
"Essa investigação terá como objetivo descobrir a origem e os responsáveis pelo 'vazamento' de dados relacionados a investigações secretas supervisionadas pelo Superior Tribunal de Justiça, especialmente aquelas que envolvem futuras operações policiais", disseram os delegados.
Em resposta, o STJ comunicou através de nota que "não comenta investigações e processos que estão em andamento em outros tribunais".
A solicitação da PF fundamentou a fase mais recente da Operação Sisamnes, que foi iniciada para investigar suspeitas de venda de decisões judiciais em gabinetes do STJ ligadas ao lobista Andreson de Oliveira Gonçalves.
Esta nova fase da operação, até agora, não apresenta evidências de envolvimento de Andreson e trata de vazamentos de informações provenientes dos gabinetes do STJ.
A PF requisitou a Zanin autorização para realizar uma operação sobre os vazamentos no dia 25 de fevereiro.
Os investigadores começaram a suspeitar desses vazamentos ao analisar celulares apreendidos durante a Operação Maximus, que apurava a venda de decisões do Tribunal de Justiça do Tocantins.
Em uma gravação telefônica de junho de 2024, um sobrinho do governador Wanderlei Barbosa (Republicanos) dialoga com um desembargador sobre "companheiros em Brasília" que estariam acompanhando as informações do STJ.
Ele menciona dados que seriam de inquéritos sigilosos relacionados à própria Maximus e uma outra operação, que investigava suspeitas de irregularidades na distribuição de cestas básicas durante a pandemia.
Ambas as operações foram lançadas em agosto do ano passado, dois meses após o telefonema.
Ao solicitar autorização para prisão preventiva, apreensões e análise dos materiais que seriam coletados para investigar a possibilidade de vazamentos, a Polícia Federal pediu que o caso ficasse sob a responsabilidade de Zanin.
Os delegados argumentam que, embora não haja indícios claros de que ministros do STJ com foro especial no Supremo tenham cometido irregularidades, "as especificidades do caso e, mais importante, o escopo da investigação exigem uma atuação excepcional da Corte Suprema, o que certamente garantirá a efetividade do trabalho investigativo".
A PF indica que "a partir das comunicações entre as partes envolvidas, se pode inferir a possibilidade de que as divulgações de dados e documentos confidenciais tenham se originado do Superior Tribunal de Justiça, incluindo, neste caso, os escritórios dos ministros do Superior Tribunal de Justiça".
Os investigadores pedem que o ministro reconheça que o cenário da apuração está ligado ao da Operação Sisamnes.
Quando consultada, a PGR (Procuradoria-Geral da República) afirmou que vê uma "conexão direta" entre as investigações sobre os vazamentos e as questões relacionadas à comercialização de decisões no STJ.
No dia 17 de março, Zanin deu seu consentimento para buscas e apreensões a respeito dos vazamentos e solicitou a opinião da PGR sobre a relação entre a operação que investiga a venda de decisões judiciais em Tocantins e a que envolve o Supremo, o que transferiria toda a operação do Judiciário do estado para o STF.
Ao proferir seu julgamento, o ministro do Supremo destacou que, uma vez que estão sendo investigados no STJ "eventos ligados à possível formação de uma organização criminosa montada para a venda de decisões judiciais e a divulgação de informações confidenciais no Superior Tribunal de Justiça", há um modo de operação que é bastante similar ao que foi descrito no pedido da PF.
"A autoridade policial indicou sinais da interligação entre os envolvidos na medida coercitiva e os fatos objeto da investigação, além de uma relação com o cerne investigativo de dois grandes casos ('Sisamnes' e 'Maximus') que estão ligados ao amplo inquérito que está sendo conduzido neste gabinete, cujas ações teriam ocorrido, acrescento, também em instituições públicas do Judiciário e do Ministério Público estadual", declarou Zanin.
Atualmente, gabinetes de pelo menos quatro ministros do STJ estão sendo investigados nos inquéritos que tramitam no STF sobre a venda de decisões: Og Fernandes, Isabel Gallotti, Nancy Andrighi e Paulo Moura Ribeiro.
Na fase mais recente da Sisamnes, um mandado de prisão foi executado contra Thiago Barbosa de Carvalho, sobrinho do governador, que não foi alvo da operação.
Ainda foram cumpridos quatro mandados de busca e apreensão. Entre outros materiais, os investigadores encontraram cópias de inquéritos em um computador utilizado por Thiago.
Ao iniciar a operação, Zanin declarou que as ações tomadas por ele representam "uma resposta do STF diante da seriedade das situações relatadas pela PF, que mencionam, seja verdade ou não, ministros do STJ".
Procurado, o governador de Tocantins, Wanderlei Barbosa, comentou que não obteve informações privilegiadas, pois seus advogados já tinham acesso regular ao inquérito referente à operação das cestas básicas desde abril, anterior à conversa do desembargador com seu sobrinho.
A defesa de Thiago Barbosa, também contatada, não se manifestou.