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16 de Junho de 2025, 16h:51 - A | A

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BLOQUEIO HORMONAL

MPF vai à Justiça contra regra que dificulta tratamento médico para pessoas trans

Ação pede suspensão imediata da resolução do CFM, que proíbe bloqueio hormonal e impõe restrições a hormonioterapia e cirurgias para pessoas trans; MPF também cobra indenização de R$ 3 milhões por dano coletivo.

Da Redação



O Ministério Público Federal (MPF) ajuizou uma ação civil pública, com pedido de liminar, para suspender os efeitos da Resolução nº 2.427/2025 do Conselho Federal de Medicina (CFM). A medida visa contestar as novas restrições impostas pelo CFM ao atendimento médico de pessoas trans, especialmente crianças e adolescentes. Na ação, o MPF solicita à Justiça Federal a suspensão imediata da resolução e, posteriormente, sua anulação definitiva, além da condenação do CFM ao pagamento de R$ 3 milhões por danos morais coletivos. Esse valor, se concedido, será destinado a ações educativas e informativas focadas na promoção dos direitos LGBTI+ e na valorização das identidades trans.

O MPF classifica a nova norma como um retrocesso social e jurídico, que ignora evidências científicas consolidadas e agrava a vulnerabilidade de uma das populações mais marginalizadas do país. As limitações impostas pela resolução são consideradas contrárias a tratados internacionais e ao princípio constitucional da proteção integral à criança e ao adolescente. A Resolução n. 2.427/2025 revogou a norma anterior e introduziu novas barreiras significativas ao atendimento. Entre elas, destaca-se a proibição do bloqueio puberal para crianças e adolescentes trans, apesar de entidades médicas como a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) e a Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM) atestarem a segurança e reversibilidade do procedimento, crucial para a saúde mental dos jovens. O MPF aponta o caráter discriminatório da medida, já que os mesmos medicamentos são permitidos para tratar a puberdade precoce.

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As restrições da resolução também afetam a terapia hormonal, que teve a idade mínima para início elevada de 16 para 18 anos, exigindo ainda acompanhamento psiquiátrico e endocrinológico por, no mínimo, um ano. Na prática, isso eleva a idade mínima efetiva para 19 anos, contradizendo o posicionamento de 171 grupos de direitos humanos e associações profissionais, incluindo médicas, que defendem a autonomia dos pacientes. Além disso, procedimentos cirúrgicos de afirmação de gênero só são permitidos a partir dos 21 anos, o que, para o MPF, viola a autonomia individual sobre o próprio corpo e a maioridade civil, que no Brasil é aos 18 anos – idade que também autoriza a alteração de nome e gênero no registro civil, conforme o Supremo Tribunal Federal (STF).

Outro ponto de controvérsia é a exigência de que pessoas trans que mantêm seus órgãos biológicos originais busquem atendimento com especialistas correspondentes ao sexo biológico, e não à sua identidade de gênero. O MPF argumenta que essa medida contraria a jurisprudência do STF, que já decidiu pela faculdade (e não obrigação) de utilização dessas especialidades. Essa imposição é vista como um desrespeito à identidade do paciente, podendo criar ambientes hostis e desestimular a busca por cuidados de saúde. A resolução também determina o cadastro compulsório de pacientes submetidos à cirurgia de redesignação sexual e o compartilhamento desses dados, medidas que, segundo o MPF, violam a Lei Geral de Proteção de Dados e extrapolam as atribuições legais dos conselhos de classe.

O procurador regional dos Direitos do Cidadão no Acre, Lucas Costa Almeida Dias, enfatiza que a resolução do CFM contribui para a discriminação e o aumento da violência contra a população trans, tornando o acesso a cuidados de saúde integrais ainda mais difícil. A ação do MPF é respaldada por um vasto conjunto de pareceres técnicos e manifestações contrárias à norma, incluindo posicionamentos da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM) e de outras quatro associações médicas, que reafirmam a segurança e eficácia dos procedimentos, alertando para os danos que a postergação dos tratamentos pode causar.

Especialistas de centros de referência, como o Ambulatório Transdisciplinar de Identidade de Gênero e Orientação Sexual (Amtigos) do Hospital das Clínicas da USP e o Programa Aquarela da UERJ, afirmam que a resolução ignora a vasta literatura científica e os rigorosos protocolos já seguidos no Brasil. Eles contestam a justificativa do CFM sobre supostas altas taxas de arrependimento, que, segundo estudos recentes, são inferiores a 1% e frequentemente ligadas à pressão social. O MPF também aponta que a norma fere direitos fundamentais garantidos pela Constituição Federal, pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e por tratados internacionais, como o direito à identidade de gênero, à saúde, à dignidade da pessoa humana e à autodeterminação corporal.

Diante do cenário, o MPF destaca que a nova resolução já está gerando insegurança jurídica e impactos imediatos nos serviços de saúde que atendem à população trans, levando à interrupção de tratamentos em curso e ampliando a vulnerabilidade dos pacientes. Isso pode resultar em riscos à saúde física e mental, além de incentivar práticas clandestinas e perigosas. Por isso, o MPF requer a suspensão imediata dos efeitos da Resolução n. 2.427/2025, com o restabelecimento da norma anterior, e sua posterior anulação definitiva, além da condenação do CFM ao pagamento de R$ 3 milhões em dano moral coletivo, a ser destinado a projetos de promoção dos direitos e enfrentamento da violência contra a população trans e travesti.

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