O Ministério Público Federal (MPF) abriu um inquérito civil para investigar a regularidade do licenciamento ambiental de uma fábrica de bioinsumos do grupo Amaggi, do qual o ex-governador e empresário Blairo Maggi é um dos proprietários. A polêmica reside no que o MPF chama de "jogo de licenças" por parte da Secretaria Estadual de Meio Ambiente (Sema/MT), que concedeu à empresa autorizações controversas.
Inicialmente, a Amaggi solicitou licença apenas para a produção de bioinsumos – produtos de origem biológica destinados ao consumo próprio nas fazendas do grupo. Contudo, em uma decisão surpreendente no final do ano passado, a Sema emitiu uma licença de operação para a fabricação de agrotóxicos.
Falhas Graves e Informações Contraditórias
Após o MPF apontar irregularidades, a Sema cancelou a licença de operação (nº 333966/2024). A secretaria justificou o cancelamento alegando que a licença havia sido emitida antes mesmo das licenças prévia e de instalação, o que configura uma falha grave no processo.
No entanto, a reviravolta não parou por aí. Depois do cancelamento, o MPF identificou uma divergência significativa nas informações das novas licenças prévia e de instalação. Embora a Sema tenha retificado os documentos para constar que a atividade licenciada é a produção de bioinsumos, o termo "fabricação de defensivos agrícolas" (agrotóxicos) ainda aparece no campo "atividade principal" dessas licenças.
A Questão do Agrotóxico e a Cobrança do MPF
O procurador da República Gabriel Infante Magalhães Martins, responsável pelas investigações, destaca a gravidade da situação. A produção de agrotóxicos é considerada uma atividade potencialmente poluidora, exigindo um licenciamento com requisitos muito mais rigorosos do que a produção de bioinsumos. A Sema é a responsável por esse licenciamento em Mato Grosso.
Ao ser consultado pelo MPF, o Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa) confirmou a responsabilidade da Sema no licenciamento, mas levantou questões sobre o processo. O Mapa considera que a licença concedida sob a antiga legislação (que qualificava a atividade como agrotóxico) deverá ser atualizada após a regulamentação da nova lei de bioinsumos, que dispensa o registro de unidades de produção para uso próprio (mas exige cadastro).
A Sema, por sua vez, tentou justificar a manutenção do termo "agrotóxicos" pela ausência de um CNAE (Classificação Nacional de Atividades Econômicas) específico para bioinsumos, levando à adoção de classificações relacionadas a agrotóxicos. Contudo, o MPF alerta que manter a autorização para fabricação de agrotóxicos, sem os requisitos devidamente cumpridos para tal, ampliaria desproporcionalmente o escopo de atuação da empresa e violaria a legislação vigente.
Diante disso, o MPF exigiu que a Sema explique a manutenção do termo "agrotóxicos" no campo "atividade principal" das licenças ou retifique os documentos. Além disso, solicitou cópias de todo o processo de licenciamento e informações da Amaggi sobre os bioinsumos que serão produzidos.
O Que Diz a Amaggi
Procurada, a Amaggi confirmou que "cumpridas as exigências, recebeu autorização da Secretaria de Estado de Meio Ambiente de Mato Grosso (Sema) para instalar uma fábrica de bioinsumos em Cuiabá." A empresa ressaltou que os bioinsumos "contribuem para a redução do uso de fertilizantes químicos e defensivos químicos agrícolas, mitigando a emissão de poluentes e promovendo uma agricultura mais equilibrada, sustentável e responsável." A Amaggi ainda explicou que bioinsumos são desenvolvidos a partir de organismos vivos e têm como objetivo o controle de doenças e pragas, além de potencializar a absorção de nutrientes pelas plantas.
A investigação do MPF segue em curso, buscando esclarecer as inconsistências e garantir a conformidade ambiental no processo de licenciamento.