24 de Maio de 2025, 12h:26 - A | A

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REALIDADE X ILUSÃO DIGITAL

“Deus me livre ser CLT”: por que tantos jovens rejeitam o emprego com carteira assinada?

Em vez da estabilidade da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), muitos preferem o risco da informalidade ou o sonho de ganhar dinheiro na internet.



Entre piadas nas redes sociais e desabafos sinceros, cresce entre jovens brasileiros uma aversão clara ao modelo tradicional de trabalho. Em vez da estabilidade da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), muitos preferem o risco da informalidade ou o sonho de ganhar dinheiro na internet. Para eles, a carteira assinada virou sinônimo de rotina exaustiva, baixos salários e falta de liberdade.

O fenômeno ganhou força nas redes sociais. Expressões como “Se tudo der errado, viro CLT” viralizam entre adolescentes e jovens adultos, refletindo um imaginário no qual trabalhar com carteira assinada é visto como último recurso — quase uma punição. A empresária Fabiana Sobrinho, de Mogi das Cruzes (SP), conta que se assustou ao ouvir a filha de 12 anos dizer que queria “estudar para não virar CLT”. Ao conversar com outros adolescentes, notou que a visão negativa era generalizada.

Nas plataformas digitais, memes e vídeos humorísticos reforçam essa imagem. “Encontrei minha carteira de trabalho e quase infartei”, diz uma usuária no TikTok. Outro jovem, ao mostrar um cartão de ponto, desabafa: “Trabalhar assim é viver ou sobreviver?”.

Mais que memes: a crítica tem raízes sociais
De acordo com a antropóloga Rosana Pinheiro-Machado, a rejeição à CLT está enraizada em décadas de relações de trabalho marcadas pela exploração, especialmente para a população de baixa renda. “No Brasil, o emprego formal é frequentemente mal remunerado, envolve jornadas longas, deslocamentos cansativos e humilhações. Diante disso, muitos jovens preferem se arriscar por conta própria e sentir que têm autonomia”, explica.

Para Erick Chaves, o "Kinho" do TikTok, de 19 anos, a aversão à CLT vem de casa. Ele cresceu vendo os pais esgotados, trabalhando muito e descansando pouco. Hoje, faz sucesso na internet e descarta a ideia de seguir o mesmo caminho. “Eu tenho pavor de ser CLT. Para mim, isso é sinônimo de cansaço e vida limitada”, afirma em tom de desabafo.

Realidade x Ilusão digital
Apesar da popularização de conteúdos sobre “liberdade financeira” e empreendedorismo digital, os dados mostram um outro lado dessa escolha. Um estudo da University College Dublin acompanhou 40 mil perfis pequenos no Instagram que buscavam crescer como influenciadores. Apenas 1,4% conseguiu ultrapassar 5 mil seguidores em quatro meses. Ou seja, a ideia de que “basta empreender” ou “bombar na internet” é, para a maioria, uma promessa difícil de concretizar.

Paulo Fontes, historiador da UFRJ, alerta: “A crítica ao modelo CLT é válida, mas culpá-lo pelos problemas estruturais do trabalho no Brasil é um erro. O que precisa ser atacado é a precarização, não os direitos trabalhistas.”

Empreender: solução ou novo perrengue?
Bruna Neres, de 26 anos, trocou o regime CLT pelo empreendedorismo em Uberlândia (MG). Após perder o emprego, investiu o seguro-desemprego em um curso de extensão de cílios e abriu o próprio negócio. “Trabalho muito mais, de segunda a sábado, mas ganho o dobro e tenho autonomia. A carteira assinada me limitava”, afirma.

Para alguns, empreender é libertador. Para outros, é apenas uma troca de um problema por outro — com menos segurança e direitos.

Entre liberdade e ilusão
No fim das contas, o dilema da juventude brasileira não é sobre ter ou não ter carteira assinada, mas sobre a qualidade do trabalho disponível. A geração Z quer mais do que estabilidade: quer propósito, equilíbrio e reconhecimento.

Rejeitar a CLT virou bandeira de independência para muitos, mas o caminho da informalidade ou da internet nem sempre garante o sucesso prometido nos vídeos virais. Entre direitos trabalhistas e liberdade empreendedora, talvez a verdadeira resposta esteja em repensar o modelo de trabalho como um todo — com dignidade, inclusão e perspectivas reais de futuro.

Porque, no fim, o que os jovens querem não é menos trabalho. É uma vida que valha a pena ser vivida.

 

 

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